domingo, 10 de outubro de 2010

E SE não houver outro modo?

E SE a passagem que podemos fazer pela vida do outro for esta? Apenas esta? A passagem do viajante?

E SE eu continuar a desenhar você obsessivamente, como fiz durante um ano, pelos próximos dez ou vinte ou trinta?

E SE nossos encontros não vierem com o rótulo da família, do cartório, da aliança, da hora do jantar, do jornal à porta pela manhã, das compras de supermercado, dos chinelos ao pé da cama, da tábua do vaso do banheiro, das escovas de dente, da biblioteca e da discoteca, dos recados presos na geladeira, das xícaras de café sobre a pia com um círculo preto ao fundo, da toalha de banho habitual, do lugar habitual à mesa, da marca preferida de xampu, da secretária eletrônica, da regulagem da torradeira e do retrovisor do carro, das contas ao final do mês, dos amigos em comum?

E SE for preciso assumir a fragilidade de nós mesmos na fragilidade daquilo que somos juntos? Viajantes?

E SE eu esmagar com as pontas dos dedos esse seu gesto ridículo de carregar no sobrenome o sobrenome do seu marido?

E SE eu remover de todos os dicionários de todas as línguas essas categorias, esses universais absolutos?


Trecho de Rakushisha – Adriana Lisboa

sábado, 25 de setembro de 2010


Amar o perdido deixa confundido este coração 
Nada vale o ouvido contra o sem sentido apelo do não
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis a palma da mão
Mas as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão  
Drummond

O Dharma do Início é o Karma do Fim

Foi assim que tudo se deu. Na porta do bar onde nos conhecemos, foi lá mesmo que nos despedimos. Você virou as costas e seguiu. A cabeça baixa tenho certeza, foi delicadeza comigo. Foi por respeito à minha dor. Àquela dor que só estava começando. A dor que acabara de chegar e que não tinha pressa de partir. Se hospedou em mim e fez do meu peito, a sua morada. Como um parente "sem noção", que se aboleta no seu sofá achando que é conveniente ser inconveniente.

Eu sei das razões que te fizeram desistir. E tentei te convencer que nossa vontade em fazer dar certo, a vontade de estarmos um com o outro, eram esses os motivos que fariam nossa vida dar certo. Nosso futuro que era tão certo. Falou-se em futuro e pra quê? Se no primeiro obstáculo fraquejamos? Não existe sentido fazer o outro sofrer  quando se podia evitar. E lógico, sempre podemos evitar. Podemos nos conter, mas devemos? Podemos fingir, mas conseguimos enganar e ludibriar até o fim?

Qual é a cor do fim? Não é preta não. É cinza, meio amarronzada. O fim é feito de uma cor suja. O fim é feito de resquícios da nossa própria sujeira. Da sujeira que faz mal à gente e aos outros. Porque que todo início é bom? Porque o fim fatalmente será ruim. No fim todos se fodem. [“Um dia me disseram/Que as nuvens não eram de algodão”] É verdade que para sobreviver deve-se acreditar que as coisas podem sempre ser diferentes. Podemos mensurar quantas possibilidades de interpretação existem em cada fenômeno?

Viver feliz não é pra mim!