domingo, 10 de outubro de 2010

E SE não houver outro modo?

E SE a passagem que podemos fazer pela vida do outro for esta? Apenas esta? A passagem do viajante?

E SE eu continuar a desenhar você obsessivamente, como fiz durante um ano, pelos próximos dez ou vinte ou trinta?

E SE nossos encontros não vierem com o rótulo da família, do cartório, da aliança, da hora do jantar, do jornal à porta pela manhã, das compras de supermercado, dos chinelos ao pé da cama, da tábua do vaso do banheiro, das escovas de dente, da biblioteca e da discoteca, dos recados presos na geladeira, das xícaras de café sobre a pia com um círculo preto ao fundo, da toalha de banho habitual, do lugar habitual à mesa, da marca preferida de xampu, da secretária eletrônica, da regulagem da torradeira e do retrovisor do carro, das contas ao final do mês, dos amigos em comum?

E SE for preciso assumir a fragilidade de nós mesmos na fragilidade daquilo que somos juntos? Viajantes?

E SE eu esmagar com as pontas dos dedos esse seu gesto ridículo de carregar no sobrenome o sobrenome do seu marido?

E SE eu remover de todos os dicionários de todas as línguas essas categorias, esses universais absolutos?


Trecho de Rakushisha – Adriana Lisboa

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